RisaDoc & o Ornitorrinco

Para a grande maioria das pessoas, “documentário” ainda continua sendo um filme chato, narrado por um primo mais velho do Cid Moreira, que explica quantos fuzis foram usados no cerco de  Stalingrado, qual a diferença entre monocotiledônias e dicotiledôneas,  como James Watt mudou o mundo com sua máquina a vapor, ou se é ou não verdade que Karl Marx teve um filho com empregada. Há ainda, numa linha mais recente, o documentário-ong, aquele de estilo humanitário que mistura mensagens altruístas com o retrato solene das classes menos favorecidas. Ao final, espera-se lágrimas secas e o número de um tele-doação.



O documentário estaria para o telejornalismo assim como a revista mensal está para o jornal diário: “it´s all true!”, só que um é verdade delievery, o outro é verdade gourmet.

Há quem discorde. Alguém conhece aquele senhor que narra as coisas? Vocês lembram do Bush penteando o cabelo nos créditos do filme do Michael Moore? 
Não precisa muito pra sacar que o mundo é um lugar bem esquisito.
Reunimos aqui uma turma brasileira que não consegue encarar numa boa que tanta gente leve tão a sério tudo o que se diz sobre como o mundo é. Mesmo depois de tantos anos vendo e ouvindo o Dr. Paulo Maluf. Mesmo quando a turma das campanhas eleitorais lançam novos candidatos e ao mesmo tempo querem proibir a piada. Mesmo assistindo, ao vivo, as transformações, no melhor estilo Michael Jackson (Black and White) , de Cid Moreira, em Sérgio Chapelein, e de Sérgio Chapelain em William Bonner.

Essa turma de desconfiados se leva tão a sério que não consegue deixar de ir `a luta, contra concorrência tão massiva e competende, e produzir seus próprios relatos risíveis sobre o mundo.
O documentário humorístico é o ornitorrinco do audiovisual. Ninguém sabe muito bem o que fazer com ele, mas ele existe. E fica ali na sala, com ar de quem nao quer nada, dando suas risadinhas incômodas, embrulhando o estômago, desopilando o fígado ou até gerando a reflexão que só o distanciamento cômico permite.

Passa ou repassa

Tem gente que discute sobre o que se pode ou não dar risada. Se o humor deve ter limites. Que limites seriam esses? Baseados em algum código de ética escrito por uma comitiva de defensores de uma visão sóbria da vida? Quem pode categorizar e controla tais impulsos exclusivos do bicho homem? Humor é multiplo e por demais subjetivo. Humor pêra, moral maçã. Humor é por princípio uma visão desdramatizada e distanciada dos eventos da vida. Mas e se essa distância entre ponto de vista e realidade se encurta, ai é que começa a divertida entropia.

Há pouco tempo esteve na ordem do dia a discussão sobre a “nova censura” (ou “classificação indicativa”) motivada pelas determinações do Ministério da Justiça, que reclassificaram horários de programas e até chegaram a tirar alguns produtos de circulação. (como, por exemplo, um dvd do desenho Pica-Pau que, em seus extras, supostamente apresentava cenas inadequadas para o “público indicado”). Também causou polêmica e perplexidade a resolução 23.191/09 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que praticamente impediu que humoristas abordassem o processo eleitoral. Após protestos da classe e do público em geral a resolução foi revertida, porém há muita reflexão a ser feita e muito a ser compreendido pela opinião pública sobre este ping-pong entre proibir e liberar.

Dentro dessa discussão está também a diferenciação entre entretenimento e jornalismo, que escorre pelos dedos para o velho embate teórico entre ficção e realidade, que por sua vez remete às discussões filosóficas de botequim sobre o que é “real", o que é "ficção” e sobre o que “pode” ou “não pode” ser mostrado ao público em grande escala.
Mas como definir alguns programas híbridos, que misturam crítica social com humor, jornalismo com humor e as vezes até prestação de serviço com humor?
Atualmente, o jornalismo e o entretenimento são controlados em portarias diferentes do Ministério da Justiça e a confusão entre o que pode ou não ser mostrado se estende em um emaranhado retórico que se faz cada vez mais difícil de ser entendido pelo seu maior interessado, o público em geral.

No Risadoc será aberto um espaço inédito para que se levante questões sobre misturar a crítica social, o entretenimento, a polêmica, o riso e a reflexão no maior liqüidificador da comédia brasileira, o Risadaria.

Na verdade é uma piada

O documentário é um gênero audiovisual normalmente associado a abordagens sérias e contundentes sobre temas sociais e de interesse público.
Peréio em "Iracema - Uma Transa Amazônica"

No entanto, de uns anos para cá uma vertente de documentaristas, alguns influenciados pela linguagem televisiva e outros pelo cinema moderno, vem incorporando abordagens irreverentes e cômicas aos mesmos temas pertinentes de interesse público. No entanto , apesar do sucesso popular, esses filmes são constantemente criticados por não serem considerados “documentários”. O cerceamento tem origem em conceitos (ou pré-conceitos) que “legislam” sobre o que é documentário “de verdade”, distinguindo, com a clareza dos dicionários, o que é entretenimento, o que é conhecimento, o que é arte. Também está presente a discussão, muitas vezes latente, do que o público pode ou não dar risada.
Há mais de 30 anos, para ficarmos em um exemplo emblemático, o longa-metragem “Iracema – Uma Transa Amazônica” (Jorge Bodansky e Orlando Sena, 1974) já mostrou o que podem esses conceitos, e o alcance provocado pelo riso inteligente.

Recente mas contundente

O Documentário Humorístico é um gênero recente na história do audiovisual brasileiro. Nomes importantes da sétima arte mundial, como Buñuel e Orson Welles – para ficar apenas em dois exemplos - já utilizaram esse idioma para se expressar, mas no Brasil, somente há aproximadamente 30 anos esse tipo de linguagem surge como uma forte expressão capaz de dialogar com um público amplo, colecionando adeptos, fans, críticos favoráveis e críticos radicalmente desconfiados que promovem saudáveis polêmicas.

A Primeira Mostra de Documentários Humorísticos do Brasil pretende jogar luz sobre esta popular expressão da tv e do cinema brasileiros, concentrando algumas das mais relevantes produções nacionais do gênero, projetadas no espaço do “Risadaria” (nos dias 24,25,26 e 27 de março, no prédio da Bienal) e seguida de um debate que possa conduzir à reflexão dos formadores de opinião e, principalmente, do público em geral, a ser realizado por documentaristas e pensadores do cinema, dentro da programação da edição 2011 do maior festival de documentários do Brasil, o “É Tudo Verdade” (de 31/03 a 13/04)

Parceria entre "Risadaria" e "É Tudo Verdade"


Em março e em abril deste ano acontecerão as duas etapas do RisaDoc - Primeira Mostra de Documentários Humorísticos do Brasil. No RISADARIA - o maior evento de humor brasileiro - entre os dias 24 e 27 de março, com a exibição de alguns dos melhores exemplos deste gênero, produzidos nos últimos 30 anos. Em abril, dentro da programação do É Tudo Verdade, o maior festival de documentários do país, será realizado o debate "A Verdade é uma Farsa", entre público, realizadores e pensadores do cinema.